segunda-feira, 31 de maio de 2010

Brasa


Brasa


Composição: Gabriel o Pensador / Lenine

Um poeta já falou, vendo o homem e seu caminho:
"o lar do passarinho é o ar, e não o ninho". E eu voei...
Eu passei um tempo fora, eu passei um tempo longe.
Não importa quanto tempo, não importa onde.
Num lugar mais frio, ou mais quente de repente,
Onde a gente é esquisita, um lugar diferente.
Outra língua, outra cultura, outra moeda.
É, vida dura, mas eu sou duro na queda.
Se me derrubar... eu me levanto, e fui aos trancos e barrancos,
Trampo atrás de trampo, trabalhando pra pagar a pensão
E superar a tensão do pesadelo da imigração.

Clandestino, imigrante, maltrapilho.
Mais um subdesenvolvido que escolheu o exílio,
Procurando a sua chance de fazer algum dinheiro,
No primeiro mundo com saudade do terceiro.
Família, amigos, meus velhos, meu mano,
- o meu pequeno mundo em segundo plano.
Eu forcei alguns sorrisos e algumas amizades.
Passei um tempo mal, morrendo de saudade.

Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade...
Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade...

Da beleza poluída, da favela iluminada,
Do tempero da comida, do som da batucada.
Da cultura, da mistura, da estrutura precária.
Da farofa, do pãozinho e da loucura diária.
Do churrasco de domingo, o rateio e o fiado,
A criança ali dormindo, o coroa aposentado.

(Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade...)

Da mulata oferecida, do pagode malfeito,
De torcer na arquibancada pro meu time do peito.
A pelada sagrada com a rapaziada,
O sorriso desdentado na rodinha de piada.
Da malandragem, da nossa malícia,
Da batida de limão, da gelada (que delícia!)

(Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade...)

Do jornal lá na banca, da notícia pra ler,
Das garotas dos programas da TV.
Do jeitinho, do improviso, da bagunça geral.
Do calor humano, do fundo de quintal.
Do clima, da rima, da festa feita à toa
- típica mania de levar tudo na boa -
Ddo contato, do mato, do cheiro e da cor.
E do nosso, o nosso jeito de fazer amor.

Agora eu sou poeta, vendo o homem a caminhar:
o lar do passarinho é o ninho, e não o ar. E eu voltei...
E eu passei um tempo bem, depois do meu retorno.
Eu e minha gente, coração mais quente, refeição no forno.
Água no feijão, tô na área, bichinho.
Se me derrubar... eu não tô mais sozinho.
Tô de volta sim senhor.
Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor.

Mas o amor é cego.
Devo admitir, devo e não nego,
Que aos poucos fui caindo na real,
Vendo como o Brasa tava em brasa, tava mal.
Vendo a minha terra assim em guerra, o meu país...
Não dá, não dá pra ser feliz.
E bate uma revolta, e bate uma deprê.
E bate a frustação, e bate o coração pra não morrer.
Mas bate assim cabreiro.
Bate no escuro, sem esperança no futuro, bate o desespero.
Bate inseguro, no terceiro mundo (se for), com saudade do primeiro.
Os velhos, os filhos, os manos...
ninguém aqui em casa tem direito a fazer planos.
Eu forcei alguns sorrisos e lágrimas risonhas.
Passei um tempo mal, morrendo de vergonha.

Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha...
Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha...

Da beleza poluída, da favela iluminada,
Da falta de comida pra quem não tem nada.
Da postura, da usura, da tortura diária.
Da cela especial, da estrutura carcerária.
A chacina de domingo, o rateio e o fiado,
A criança ali pedindo, o coroa acorrentado.

(Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha...)

Da mulata oferecida, do pagode malfeito.
Morrer na arquibancada por meu time do peito.
O salário suado que não serve pra nada,
O sorriso desdentado na rodinha de piada.
Da malandragem, da nossa milícia,
Da batida da PM, da porrada da polícia.

(Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha...)

Do jornal lá na banca, da notícia pra ler,
Das garotas de programa dos programas da TV.
Do jeitinho, do improviso, da bagunça geral,
Do sorriso mentiroso na campanha eleitoral.
Do clima de festa, da festa feita à toa
- ridícula mania de levar tudo na boa -
Do contato, do mato, do cheiro da carniça.
E do nosso, jeito de fazer justiça.

Mas eu vou ficar no Brasa
Porque o Brasa é minha casa, casa do meu coração.
Mas eu vou ficar no Brasa
Porque o Brasa é minha casa,
e a minha casa só precisa de uma boa arrumação.

Muita água e sabão.
Ensaboa, meu irmão.
Não se suja não.
Indignação.
Manifestação.
Mais informação.
Conscientização.
Comunicação.
Com toda razão.
Participação.
No voto e na pressão.
Reivindicação.
Reformulação.
Água e sabão na nossa nação.
Água e sabão, tá na nossa mão.
(Tô morrendo de paixão, tô morrendo de paixão...)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Somos realmente livres?



13 de maio de 2010. São 122 anos de Abolição.

Não posso deixar de manifestar minha decepção e indignação, não somente pela situação do nosso povo negro, afro-descendente, mas também pela situação dos nossos índios, dos migrantes, imigrantes, mulheres, homossexuais, crianças, idosos que vivem à margem da sociedade.

Estou indignada, enfim, pelas injustiças - veladas ou não - que nós, os "não-brancos", ainda sofremos neste país.

Já vivi inúmeras situações constrangedoras, apenas pelo fato de ser negra. Já levei enquadrão da Rota no portão da USP, quando estava placidamente esperando o meu ônibus pra COHAB. Isso depois de trabalhar o dia inteiro e assistir mais de 4 horas de aula.

Já fui reprovada em muito processo seletivo de emprego, mesmo após ter ouvido por telefone: "ooooh!! que currículo maravilhoso!!". Pessoalmente, ao vivo, a história é outra.

Teve uma vez que eu encostei sem querer em uma senhora, no ônibus. Quando eu pedi desculpas, ela começou a se limpar com um lencinho. E houve também uma vez que eu passeava com a minha mãe (branca) e minha avó (índia), e perguntaram a elas se eu era a "secretária do lar".

Já perdi as contas de quantas vezes o meu marido (branco) teve que explicar que eu não sou a empregada dele, e sim que eu sou a esposa. Até imagino a cara de babá que eu teria, se um dia tivéssemos um filho e o moleque nascesse "clarinho" de olhos verdes (como os do meu sogro) ou azuis (como os do meu avô).

A situação da mulher negra continua complicada, pois ela ainda precisa conquistar com unhas e dentes (às vezes literalmente) o seu lugar ao sol. Por mais inteligentes e qualificadas que possamos ser, é uma pena que ainda sejamos preteridas por causa de nossa origem social e aparência. O mercado de trabalho prefere contratar pessoas de classe média, de cor clara, que lêem Zibia Gasparetto e acreditam em horóscopo de jornal (juro por Deus que eu vi isso em uma dinâmica de grupo).

O que o mercado precisa é de mentes para serem moldadas, para assim perpetuar a situação de escravidão que nunca terminou.

Lu